domingo, 28 de abril de 2013

Mentalidade de carburador

Estava a pracinha posta em sossego, com as criancinhas brincando na grama, raros casais em colóquios, aproveitando o bucólico (lembra nome de remédio antigo. .. duas gotas de bucólico para sua asma) recanto. Havia um sorveteiro de um lado e um pipoqueiro do outro, ambos vendendo regularmente as respectivas mercadorias. No bar, que ficava em frente à praça, um garçom servia cafés esporádicos. Era, pois, um anoitecer tranqüilo, calmo, acalentador.

Foi nessa altura dos acontecimentos que apareceu o lambretista de blusão de couro e óculos de aviador. Parou a

 lambreta em frente ao bar, mas não parou o motor. Pelo contrário. Acelerou violentamente, fazendo bastante barulho para impressionar as domésticas. Depois desligou a máquina, saltou meio sobre o gaúcho empinado e deu dois passos para melhor admirar sua incômoda propriedade.

O sorriso que espalhou em volta, para os que ficaram parados, com raiva, era um sorriso de superioridade muito do Marlon Brando. Começou a andar novamente em direção ao bar, enquanto ia tirando as luvas de couro que — só Deus sabe por que — os lambretistas usam. No bar deu um assovio para chamar o garçom. Era um autêntico carburator boy, a olhar para todos com ar de desprezo e profunda superioridade.

Bebeu de um trago o conhaque vagabundo (como os cawboys fora de moda) e voltou solene para a calçada, onde um monte regular de garotas e debilóides espiava a lambreta. Abriu caminho entre eles com os cotovelos e tornou a montar. Podia ligar a máquina e sair, mas não era ele homem capaz de resistir à tentação de botar mais um pouquinho de banca.

Sentado na lambreta, fingiu que consertava um parafuso. Depois calçou outra vez as luvas lentamente, como um cirurgião à beira de uma operação importante. E aí ligou outra vez o motor e acelerou ao máximo. Toda a pracinha sentiu estremecer o solo. Mais uma olhada para a direita, outra para a esquerda e saiu como uma bólide, jogando fumaça na cara da gente.

Na esquina vinha um lotação. O lambretista tentou manobrar, mas o lotação foi mais ligeiro, atirando-o longe. E ao vê-lo no meio da rua, com escoriações generalizadas, todos respiraram com alívio.

É que, hoje em dia, o castigo anda de lotação.

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Fonte: Tia Zulmira e Eu  - Stanislaw Ponte Preta - 6.ª edição - Ilustrado por Jaguar - EDITORA CIVILIZAÇÃO BRASILEIRA S.A.

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