sábado, 5 de outubro de 2013

Cabeçudas em setembro

A praia de Cabeçudas, Hotel Marambaia e sua igrejinha. Fotos de 12 de setembro deste ano.


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Levantadores de copo

Eram quatro e estavam ali já ia pra algum tempo, entornando seu uisquinho. Não cometeríamos a leviandade de dizer que era um uísque honesto porque por uísque e mulher quem bota a mão no fogo está arriscado a ser apelidado de maneta. E sabem como é, bebida batizada sobe mais que carne, na COFAP. Os quatro, por conseguinte, estavam meio triscados.

A conversa não era novidade. Aquela conversa mesmo, de bêbedo, de língua grossa. Um cantarolava um samba, o outro soltava um palavrão dizendo que o samba era ruim. Vinha uma discussão inconsequente  os outros dois separavam, e voltavam a encher os copos.

Aí a discussão ficava mais acalorada, até que entrasse uma mulher no bar. Logo as quatro vozes, dos quatro bêbedos, arrefeciam. Não há nada melhor para diminuir tom de voz, em conversa de bêbedo, do que entrada de mulher no bar. Mas, mal a distinta se incorporava aos móveis e utensílios do ambiente, tornavam à conversa em voz alta.

Foi ficando mais tarde, eles foram ficando mais bêbedos. Então veio o enfermeiro (desculpem, mas garçom de bar "de bêbedo" é muito mais enfermeiro do que garçom). Trouxe a nota, explicou direitinho por que era quanto era etc. etc, e, depois de conservar nos lábios aquele sorriso estático de todos os que ouvem espinafração de bêbedo e levam a coisa por conta das alcalinas, agradeceu a gorjeta, abriu a porta e deixou aquele cambaleante quarteto ganhar a rua.

Os quatro, ali no sereno, respiraram fundo, para limpar os pulmões da fumaça do bar e foram seguindo calçada abaixo, rumo a suas residências. Eram casados os quatro entornados que ali iam. Mas a bebida era muita para que qualquer um deles se preocupasse com a possibilidade de futuras espinafrações daquela que um dia — em plena clareza de seus atos — inscreveram como esposa naquele livrão negro que tem em todo cartório que se preze.

Afinal chegaram. Pararam em frente a uma casa e um deles, depois de errar várias vezes, conseguiu apertar o botão da campainha. Uma senhora sonolenta abriu a porta e foi logo entrando de sola.

— Bonito papel! Quase três da madrugada e os senhores completamente bêbedos, não é?

Foi aí que um dos bêbedos pediu:

— Sem bronca, minha senhora. Veja logo qual de nós quatro é o seu marido que os outros três querem ir para casa.

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Fonte: Tia Zulmira e Eu - Stanislaw Ponte Preta - 6.ª edição - Ilustrado por Jaguar - EDITORA CIVILIZAÇÃO BRASILEIRA S.A.
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sábado, 13 de julho de 2013

A dactilógrafa

Amigo nosso, que sofre de sinceridade alcoólica, depois do terceiro contou aqui pra este pobre escravo do padrão ouro, que batuca esta intimorata Remington semiportátil enquanto o sol lá fora assovia coió pra gente, o que aconteceu no seu escritório, esta semana. E contou sem o menor remorso.

Deu-se que sua secretária, senhora respeitabilíssima, que era sua auxiliar direta há muitos anos, cometeu a temeridade de casar e largar o emprego, no momento em que a maioria das mulheres está largando o marido pra arranjar emprego. Mas a secretária quis, disse que ia e não houve jeito. Ou melhor, o jeito foi botar um anúncio no jornal, na base do "precisa-se de secretária".

Diz o amigo que essa coisa de existir muita gente procurando emprego é bafo de boca, porque somente depois do quinto dia é que apareceram duas candidatas. Apareceram quase ao mesmo tempo, explicaram por que vinham e ficaram sentadinhas na sala de espera, aguardando a vez.

Diz ainda o amigo que, lá de dentro, sem ser visto, ele examinou bem as duas, principalmente a segunda. A primeira, segundo sua descrição, era dessas magras e de óculos, que sofrem de utilidade, sabem fazer tudo, têm pele ruim e cara de quem nunca tirou menos de 10 no colégio. Pela pinta, segundo sua própria expressão, era uma mulher invicta.

A segunda... Bem, a segunda tinha aquela cor de pele que a gente mandaria pintar no carro, se assim pudesse ser feito. Tinha olhar 45, corpo que é a forma universal e aquele ar inocente das que nunca foram inocentes.

A primeira era estenógrafa, arquivista, falava inglês, francês e espanhol. Era dactilógrafa, taquígrafa e tinha cursos de um modo geral. Mas ele não quis saber nada disso. Quando ela entrou na sala limitou-se a dizer que a vaga — infelizmente — já estava preenchida.

Então, depois que a bruxa foi embora, mandou entrar a certinha que, num bambolear ameno e compassado, entrou, sentou numa cadeira próxima e deixou um joelho de fora, ao cruzar as pernas. Ele pigarreou e explicou que a vaga era dela.

A moça agradeceu muito e foi obrigada a confessar que aquele era o seu primeiro emprego, que não tinha experiência nenhuma. E, ante a decisão dele, murmurou aveludadamente que só batia a máquina de escrever com dois dedos. Mesmo assim ficou no emprego.

Quando terminou de contar, perguntamos o que dissera, quando a boa confessou que só batia a máquina com dois dedos.

— Eu perguntei pra ela assim: Pra que tanto dedo, minha filha? E fomos tomar um lanche.

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Fonte: Tia Zulmira e Eu - Stanislaw Ponte Preta - 6.ª edição - Ilustrado por Jaguar - EDITORA CIVILIZAÇÃO BRASILEIRA S.A.
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